IGUALDADE DE GÊNERO NO MEIO CORPORATIVO: CONSIDERAÇÕES SOBRE A ISO/PC 337

É sabido que o movimento internacional de direitos humanos tem sido basilar na criação de standards em escala global. Apesar desse progresso, continuam evidentes as dificuldades na efetiva promoção e implementação de projetos de igualdade de gênero no meio corporativo. Sob esse viés, a proposta da ISO/PC 337 é central na busca da efetividade desses direitos das mulheres no contexto empresarial.

A ISO (International Organization for Standardization) consiste numa organização internacional responsável por estabelecer parâmetros a serem seguidos, em âmbito mundial, por quaisquer tipos de organizações, sejam estas públicas ou privadas. Nesse sentido, a ISO/PC 337 almeja determinar um guia técnico acerca da igualdade de gênero, a ser seguido pelas organizações independentemente de suas dimensões ou seus tipos de negócio.

Em primeiro lugar, ao considerar a temática da nova ISO, é imprescindível ter como referência o seguinte documento da ONU: “Guiding principles on business and human rights: implementing the United Nations “Protect, Respect and Remedy” framework[1], que se tornou parâmetro para a implementação dos direitos humanos, em escala mundial, nas empresas. Consequentemente, deve-se ter como referência tal documento para a implementação da igualdade de gênero, haja vista que esse direito está inserido no universo dos direitos humanos.

Conforme supramencionado, é importante enfatizar que a presente ISO trata da promoção e da implementação da igualdade de gênero no universo das corporações. Não se trata da implementação na esfera da proteção[2] aos direitos humanos, que é protagonizada pelo Estado. A ISO, também, não corresponde à remediação[3] a violações aos direitos humanos das mulheres. Para exemplificar tal afirmação, a ISO não trata da possibilidade de se entrar com ações coletivas nos casos em que ocorrerem violações a esses direitos. Na verdade, a nova ISO trata da prevenção a essas violações por meio da promoção e implementação da igualdade de gênero na esfera das empresas, o que corresponde ao respeito[4] aos direitos humanos no meio empresarial.

Assim, a ISO/PC 337, ao ser intitulada “Guidelines for the promotion and implementation of gender equality[5], gera uma questão que precisa ser elucidada: qual a abrangência dessas diretrizes? Isso porque tal título pode gerar uma interpretação ambiciosa, no sentido da exposição de standards gerais acerca da promoção e implementação da igualdade de gênero. No entanto, em se tratando de uma organização internacional de estandardização no âmbito das organizações, depreende-se que a ISO não objetiva a promoção e implementação da igualdade de gênero em todas as esferas. Não há uma estandardização sob o viés governamental ou da justiça, por exemplo. Na verdade, a ISO/PC 337 tem como alvo o setor empresarial.

Por essa razão, compreende-se que tal questionamento poderia ser solucionado com a inserção do termo “on business” no título da ISO/ PC 337, seguindo o documento referência de implementação dos direitos humanos elaborado pela ONU[6]. Com isso, é fundamental mencionar, também, que o escopo da nova ISO não se restringe a empresas de grande porte, mas sim abrange toda e qualquer organização, independentemente da dimensão, localização ou ramo do negócio. Ademais, não há restrição aos tipos de empresas, sejam estas públicas ou privadas.

Em segundo lugar, é imprescindível que a governança corporativa das empresas esteja de acordo com a promoção da igualdade de gênero, uma vez que a governança representa a organização estrutural da empresa e, consequentemente, a concentração dos polos de decisão. Nessa perspectiva, ao discorrer sobre a governança corporativa, é primordial que sejam citadas as iniciativas ESG (Environmental, Social and Governance[7]), que representam uma luz no caminho do respeito aos direitos humanos. Isso porque tais iniciativas têm por objetivo a implementação de uma governança orientada para preocupações ambientais e sociais, dentre as quais estão inseridas as propostas de combate à desigualdade de gênero.

Em terceiro lugar, é substancial que as parcerias (partnerships) e as cadeias de fornecimento (supply chains) relacionadas às empresas sejam monitoradas por estas. Com o desenvolvimento do capitalismo, principalmente ao longo dos anos 2000, as empresas compreenderam não ser mais economicamente eficiente incorporar custos de fornecimento e produção para dentro da corporação.  Com isso, ocorreu o crescimento da terceirização (outsourcing): as corporações passaram a terceirizar custos a fim de mitigar responsabilidades ambientais e sociais.

Nesse cenário, a terceirização vem sendo utilizada para ocultar externalidades negativas, por intermédio das cadeias de fornecimento. Ou seja: é muito mais difícil monitorar as cadeias de fornecimento internacionalmente ou fora das extensões da corporação. À vista disso, o aprimoramento do monitoramento das parcerias e cadeias de fornecimento é decisivo para que as propostas de igualdade de gênero no mundo corporativo sejam efetivas.

Em suma, faz-se mister que a ISO/PC 337, ao estabelecer diretrizes a serem seguidas pelas corporações, atente-se às evoluções já realizada no âmbito internacional dos direitos humanos – como, por exemplo, os três princípios estabelecidos pela ONU: proteger, respeitar e remediar. Assim, é importante que: (i) se perceba que a ISO almeja o respeito à igualdade de gênero pelas organizações; (ii) a governança corporativa das empresas esteja associada às iniciativas de respeito à igualdade de gênero; e (iii) não somente as empresas sejam monitoradas, mas também seus parceiros e fornecedores. Tais percepções objetivam a promoção e a implementação da igualdade de gênero no meio corporativo de forma efetiva em meio a um cenário capitalista.


 

[1] ONU. Guiding principles on business and human rights: implementing the United Nations “Protect, Respect and Remedy” framework. New York and Geneva, 2011. Disponível em: https://www.ohchr.org/documents/publications/guidingprinciplesbusinesshr_en.pdf.

[2] A proteção é estabelecida como o primeiro princípio da ONU ao guiar a implementação dos direitos humanos no mundo.

[3] A remediação é considerada o terceiro princípio da ONU ao guiar a implementação dos direitos humanos no mundo.

[4] O respeito consiste no segundo princípio da ONU ao guiar a implementação dos direitos humanos na relação com as empresas: corresponde ao plano das obrigações da própria empresa no respeito a esses direitos.

[5] Em tradução livre: “Diretrizes para a promoção e implementação da igualdade de gênero”.

[6] Para visualização da inserção do termo “on business”, tem-se: “Gender equality guidelines on business: promotion and implementation”.

[7] Em tradução livre: “Ambiental, Social e Governança Corporativa”.

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