Em matéria publicada pelo site Exame no dia 11/06/2020, foi demonstrado que as multas aplicadas a 53 acusados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), no primeiro trimestre de 2020, alcançaram 906,77 milhões de reais, o equivalente a 87% da cifra do ano inteiro de 2019, de 1,04 bilhão de reais.
A origem dessa quantia está em dois inquéritos que representam quase 99% desse montante. Mas afinal, quais os principais motivos de valores tão altos, representando quase a totalidade de aplicações de multas no último ano?
Segundo Carlos Guilherme, superintendente de processos sancionadores da CVM, em entrevista coletiva “A penalidade de multa é maior em casos com maior potencial de lesão [a investidores ou ao mercado como um todo]”.
Essa é uma importante declaração, pois a CVM ao ser criada em 07/12/1976 pela Lei 6.385/76, tem como objetivo fiscalizar, normatizar, disciplinar e desenvolver o mercado de valores mobiliários no Brasil.
A CVM é uma entidade autárquica em regime especial, vinculada ao Ministério da Economia, com personalidade jurídica e patrimônio próprios, dotada de autoridade administrativa independente, ausência de subordinação hierárquica, mandato fixo e estabilidade de seus dirigentes, e autonomia financeira e orçamentária .
Logo, um dos principais focos de atenção é evitar que as pessoas sejam lesadas e que mesmo em momentos de volatilidade no mercado acionário como ocorrido em março de 2020 – com acionamento de sucessivos circuit breakers (freio de mão para quedas abruptas do Ibovespa) por causa da crise econômica ocasionada pelo COVID-19, as investigações e fiscalizações continuam para evitar qualquer tipo de manipulação de mercado.
Além disso, a CVM também encaminhou 86 ofícios aos Ministérios Públicos nos Estados, 26 ofícios ao Ministério Público Federal e um para o Ministério Público do Trabalho. Essa documentação consiste em resultado de indícios de crime identificados nos procedimentos administrativos sancionadores e no curso da atuação geral da autarquia.
É possível observar que os principais motivos apontados pelas investigações e que corroboraram para o cálculo da multa são:
- realização de operações fraudulentas no mercado de valores mobiliários por meio de Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (infração ao item I, c/c o item II, letra “c” da Instrução CVM 8).
- falta de diligência do administrador de carteira de valores mobiliários(infração ao art. 14, II, da Instrução CVM 306).
- não apresentação de documentação de suporte relativa à aceitação e continuidade do relacionamento com clientes e trabalhos específicos.
- ausência de formalidade da documentação de suporte referente ao Planejamento da Auditoria de Demonstrações Contábeis.
- ausência de formalidade da documentação de suporte da LBC relativa à identificação e à avaliação de risco de distorção relevante por meio do entendimento da entidade e do seu ambiente.
- ausência da formalidade da documentação de suporte da LBC relativa à formação da opinião e emissão do relatório do auditor independente
Os pontos acima são a consequência da ausência ou a falha de controles de conformidade nas operações financeiras, o que também pode ser denominado Compliance Financeiro.
Em um período de instabilidade por conta da pandemia do COVID-19 aliado ao resultado expressivo das multas aplicadas pela CVM bem como suas recentes ações de envio de informações com indícios de crimes para autoridades competentes apenas no primeiro semestre de 2020, acendem um alerta para os players de mercado para observar a importância de uma boa estrutura de Compliance nas organizações.
De certo, o tema não é novo, mas as falhas continuam a ocorrer e em grande escala, pois muitos players de mercado ainda necessitam desenvolver novos produtos como operações estruturadas ou alternativas para atrair investidores, o que sem dúvidas, incorrerá na necessidade de um forte programa de Compliance para reduzir/mitigar os possíveis riscos decorrentes desta diversificação.
O investimento em processos de integridade como comunicação das regras, treinamento dos colaboradores e dos administradores, elaboração de um código de ética e políticas especificas sobre o tema, bem controle de detecção de fraudes e de procedimentos internos de aprovação de operações, verificação de diligência de terceiros envolvidos, reportes revisados e íntegros, são algumas ações que podem ajudar a mitigação de riscos.
No mais, é indicado que o negócio conte com uma assessoria especializada no tema, independente da fase que seus controles estejam. Se for uma fase inicial, a assessoria ajudará na implementação e execução, porém caso já existam controles e rotinas estabelecidas, é importante a revisão por alguém especializado para a proposição de melhorias e por possuir um olhar de fora do negócio.
Porém, independentemente da fase que a organização se encontre sobre controle de conformidade, é necessário agir, pois as autoridades fiscalizadoras estão cada vez mais preparadas e os números mostram que a consequência para omissão em relação ao assunto de conformidade é alta.